sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Na terça-feira passada, o ministro José Celso de Mello Filho concedeu uma entrevista ao Jornal Integração. Veja abaixo a íntegra das respostas:


Integração – Sr. Ministro Celso de Mello, Tatuí é sua terra natal e como já declarou anteriormente a este jornal, esta cidade “é um verdadeiro estado de espírito”. Esta declaração o integra à comunidade, de corpo e alma. Pela sua experiência, o que o Sr. acha que falta para que a cidade se torne mais completa?
Ministro –
Isto é uma verdade. Tatuí representa para mim um verdadeiro estado de espírito. Eu me orgulho de ser tatuiano, em todos os momentos, em todos os lugares.Eu sinto que a cidade pode enriquecer, se expandir e dinamizar sua imensas potencialidades, graças ao espírito bom do povo desta terra. Acho importante preservar a memória histórica de nossa cidade, dos habitantes que souberam construí-la e a memória cultural de Tatuí.Mas, para isto é preciso que haja um instrumento importante, que pode ser materializado através da criação de um Museu da Imagem e do Som, à semelhança do que já ocorre com a vizinha cidade de Itapetininga. É importante que as novas gerações conheçam a sua própria história, para que os erros do passado jamais se repitam no futuro. O Poder Público municipal pode desempenhar um grande papel na construção e consolidação desse instrumento de ação cultural. Eu sinto que o Sr. Prefeito Municipal, que tem demonstrado tanta competência administrativa e tem se revelado um homem muito capaz, um homem da minha geração, fomos colegas de escola e infância, tem aí um grande desafio para implantar este museu. Mas é um desafio que ele pode desincumbir-se com total facilidade, considerando o valor das pessoas que o cercam, notadamente o seu Secretário Municipal de Cultura.Tenho absoluta convicção que o Sr. Prefeito Municipal de Tatuí saberá estar à altura dessa tradição de tão grandes valores que qualificam a nossa cidade.

Integração – Ao fazer estas oportunas observações, o Sr. sugere que a Prefeitura instale o Museu da Imagem e do Som de Tatuí?
Ministro –
Reputo de alto relevo social, o cumprimento, pelo Poder Público, do seu dever constitucional de fomentar e de apoiar atividades culturais em geral, notadamente, aquelas que se refiram aos valores da própria comunidade. Nesse contexto, assume significativa importância, ao lado da criação de um Museu da Imagem e do Som, também a organização, em nossa cidade, do Instituto Histórico e Geográfico de Tatuí, à semelhança daqueles que já existem em Sorocaba e Itapetininga. A respeito desse assunto tenho falado muito com o ilustre jornalista e historiador tatuiano Renato Ferreira de Camargo. Também nesse ponto reside outro desafio que as autoridades municipais saberão enfrentar e superar, tendo em conta o permanente e superior interesse do povo de Tatuí.

Integração – O Jornal Integração publica uma coluna chamada “Desabafo”, para que o leitor exteriorize atos e fatos que o incomodam. De acordo com as normas constitucionais, como o cidadão deve agir em relação aos agentes públicos, quando estes deixam de cumprir com suas obrigações?
Ministro –
Eu entendo que a imprensa tem um papel fundamental na intermediação entre o Poder Público e a sociedade civil. É um órgão de comunicação que pode externar os anseios da comunidade, indicando os problemas que a afetam e colabora para superar as adversidades. Falo como cidadão desta República e de minha cidade de Tatuí. Tenho observado nas vezes que aqui estive o barulho excessivo produzido por veículos automotores, como por motocicletas e carros em geral. Sinto que uma maior fiscalização se impõe e esta incumbe os organismos que o Poder Público dispõe. Temos uma Guarda Municipal eficiente e minha experiência pessoal é muito positiva em relação a ela, só tendo elogios a esta corporação. A Polícia Militar também é vital para a conservação da segurança pública do município. Estas instituições podem, mediante um procedimento de adequada, rígida e permanente fiscalização, obviar estes problemas que tanto perturbam a paz e tranquilidade públicas. Por essa razão, a coluna “Desabafo” do Jornal Integração representa um instrumento importante a favor da cidadania. Ela permite ao cidadão dirigir os seus reclamos, apresentar e expor as suas reivindicações aos Poderes Públicos competentes, como a questão do barulho dos veículos, a que me aludi, para que esta possa, na verdade, ser satisfatoriamente resolvida. É importante um processo de permanente fiscalização do Poder Público, para coibir alguns excessos que eu, lamentavelmente, tenho observado ao longo destes últimos anos que tenho estado em Tatuí.

Integração – Durante seus 20 anos de participação no STF, qual foi a decisão mais importante como ministro da Suprema Corte Brasileira?
Ministro –
Em agosto de 2009, completei 20 anos de exercício da jurisdição no Supremo Tribunal Federal. Participei e protagonizei julgamentos que reputo de grande relevo para o País, para a vida dos cidadãos. Não tenho dúvida alguma em ressaltar que o julgamento mais importante de que eu participei e o STF proferiu, em toda sua existência, foi em torno das células troncos embrionárias. Foi uma decisão importante, por uma maioria exígua de seis votos a cinco, que tive a honra de compor a corrente majoritária. Saliento que este julgamento representa um alento para as pessoas que estavam colocadas à margem da vida. Um julgamento que representou de maneira clara entre a vida e a morte. Nós superamos questões ideológicas, problemas de natureza confecional, respeitamos os limites que devem presidir toda e qualquer atividade humana. Liberamos as pesquisas em torno das células troncos embrionárias para que uma melhor qualidade ou perspectiva de vida possa daí decorrer em favor de pessoas que estavam condenadas a ser prisioneiras de seus próprios corpos. Por isso, posso dizer, sem qualquer hesitação, que durante vinte anos de participação no STF, esta foi a decisão mais importante como Juiz da Suprema Corte Brasileira.

Integração – O ministro Celso de Mello diz que 2010 será um ano de grandes julgamentos, com decisões que deverão projetar sobre a vida de todos os brasileiros. O ministro avalia alguns julgamentos que deverão se transformar em importantes decisões:

Fetos Anencefálicos
Ministro –
Um dos temas da pauta é dos fetos dos portadores de anencefalia, que por má formação não possuem todo o tecido cerebral. Nós iremos reconhecer a possibilidade constitucional de a gestante proceder ou não a antecipação terapêutica do parto. Na verdade, nada mais é que a prática do aborto do feto anencefálico, que não dispõe cientificamente qualquer natividade em um ambiente extrauterino. É um assunto delicado e sensível, que envolve relações entre ética, direito e religião. Mas o STF é uma instituição republicana que deve decidir segundo os grandes postulados do Estado Laico. A Suprema Corte, na verdade, respeita todas as religiões e todos os princípios básicos de teologia moral de qualquer denominação religiosa. Mas o Juiz republicano não pode pautar as suas decisões com apoio em princípios de natureza confecional. A Constituição da República, desde nossa experiência republicana, impõe a separação entre a Igreja e o Estado e consagra entre nós o Estado Laico. Desde janeiro de 1890, há compromissos de Juízes republicanos com a causa do Estado Laico. É um Estado que respeita todas as religiões, mas que não orienta seus julgamentos e decisões de acordo com princípios de Teologia moral de qualquer denominação religiosa.

União Homoafetiva
Ministro – Esta questão é importante. Em alguns países, existe a possibilidade da união civil de pessoas do mesmo sexo. Os estados americanos permitem o denominado casamento gay. Países europeus, como a Holanda e também a catolicíssima Espanha já editaram legislação, validando e reconhecendo a possibilidade jurídica de pessoas do mesmo sexo se unirem em união civil, as denominadas uniões homoafetivas. Este é um processo que o STF deverá julgar este ano.

Lei da Anistia
Ministro – Esta questão também é delicada. O Conselho da OAB do Brasil ajuizou perante o STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF). Entre as várias questões suscitadas, o Supremo deverá dizer se a Lei da Anistia, editada em 1979, abrangeu a todos que atuaram durante o regime militar. Tanto sustentando a este regime de governo, como a ele se opondo. Em outras palavras, o STF deverá pronunciar-se sobre a extensão e amplitude dos efeitos da Lei da Anistia, dizendo se ela realmente foi ampla, geral e bilateral, beneficiando os que atuavam na repressão em favor do regime militar, como aqueles que se insurgiram contra o regime então vigente. É uma decisão que, certamente, vai colocar um ponto final no debate que hoje se registra nos meios de comunicação, entre o Ministério da Defesa, dos comandantes militares de um lado e o Secretário Nacional de Direitos Humanos de outro, em face do conteúdo do Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos.

Lei Antifumo
Ministro – Na questão da Lei Serra, a lei antifumo paulista, sou relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada por uma confederação sindical contra esta legislação que veda a prática do tabagismo. Não posso me estender, pois participarei deste julgamento. É uma questão que está em condição de ser julgada. Já houve a impugnação, o Governador do Estado de São Paulo e o Presidente da Assembleia Legislativa já apresentaram suas informações sustentando a plena validade constitucional da lei antifumo paulista. Mas houve um pronunciamento contrário da Advocacia Geral da União, entendendo que o Estado de São Paulo ter-se-ia excedido no exercício de sua competência, invadindo matéria afeta à competência da União Federal. Este tema será decidido pelo plenário do STF.

Quotas nas Universidades
Ministro – Também a questão das quotas nas universidades é um tema em condições de ser julgado. É uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra uma lei do Estado do Rio de Janeiro, que estabeleceu quotas étnicas e sociais nas universidades públicas daquele estado. É um assunto delicado. Houve um pronunciamento em um processo semelhante do Ministro Carlos Brito. Ele foi relator daquela ação no sentido de que é perfeitamente legítima essa definição de quotas. Mas o STF ainda não tem uma posição definida, pois este processo foi suspenso por um pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa. Talvez no segundo semestre de 2010 estaremos em condição de resolver esta questão.

Mensalão
Ministro – Nesta questão do Mensalão, o STF recebeu uma denúncia formulada pelo Procurador Geral da República contra quarenta denunciados, transformando-os todos em réus. Eles já se defenderam e iniciou-se a fase de inquirição das testemunhas arroladas pelo Ministério Público (acusação) e intima-se agora a inquirição de centenas de testemunhas arroladas pelos quarenta réus. Haverá produção de alegações finais e eventual apresentação de provas complementares e, por fim, o julgamento do mérito deste litígio criminal pelo plenário do STF. Tenho a impressão que este julgamento não ocorrerá em 2010. Talvez, em 2011.

Suas considerações finais, Sr. ministro:
Ministro –
O fato é que o Supremo Tribunal Federal busca agilizar o processo de administração da Justiça de maneira célere. Mas o número de processos que chega à Corte é imenso e isso dificulta a apreciação imediata das diversas controvérsias, algumas extremamente complexas, que por isso mesmo impõe algum período de reflexão. Mas o STF tem sido fiel com o mandamento constitucional que determina a presteza no processo decisório. Nós sabemos que a administração da Justiça para legitimar-se há de ser socialmente útil, juridicamente consistente e tecnicamente correta, para que em tempo socialmente hábil, os conflitos possam ser dirimidos pela mais alta Corte de Justiça deste País.

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