domingo, 15 de setembro de 2013

CELSO DE MELLO TRANQUILO EM BRASILIA
Conversei, por telefone,  por volta de 20 horas deste sábado (14), com o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF). Falamos sobre amenidades e fatos corriqueiros de Tatuí, comentamos o livro "Segredos do Conclave", do jornalista Gerson Camarotti, que ele me deu de presente, adquirido em suas rotineiras incursões de fins de semana na Livraria Cultura, em Brasília. Aliás, este livro tem alguma relação com Tatuí, nossa terra natal. A obra faz citações sobre o padre Armênio Nogueira, ex-pároco do Mosteiro da Luz e também amigo pessoal do tatuiano Paulo Fernandes Pires Filho e do cantor Claúdio Fontana, devotos de Santo Frei Galvão.

NÃO SE SENSIBILIZA AO CLAMOR POPULAR
Neste fim de semana, em Brasília,  Celso me contou que recebeu a visita de sua filha e no momento do contato telefônico passeava pelo shopping de Brasília, como sempre faz. Enquanto nas ruas de Tatuí, as pessoas questionam seu voto, a ser proferido na próxima quarta-feira (18), ele estava despreocupado com os noticiários. Devo confessar que esta não é a primeira vez que o Celso se depara com uma mobilização de opinião pública, orquestrada pela grande mídia. Ele é, talvez, o único ministro da atual composição da Suprema Corte que já enfrentou situação semelhante.  Eu me lembro, quando o Collor era presidente da República e o País estava em verdadeira ebulição. Povo nas ruas. Caras-pintadas. Discursos inflamados.Todos queriam a queda e a condenação do presidente da República,   como hoje a prisão dos mensaleiros. Seis meses antes de acontecer o julgamento do presidente Collor, Celso passava suas férias em Tatuí. No fim de tarde, fazíamos nossa rotineira caminhada diária pela Avenida das Mangueiras. Aliás,  avenida onde resido e a mais bela da cidade. Próximo ao antigo Fórum, hoje "Templo da Música", sob a direção do Conservatório, Celso para e diz: "Reiner. Compulsei o processo do Collor e não encontrei nenhuma prova concreta contra ele. Se o Procurador Geral da República não apresentar provas, votarei pela absolvição do Collor". O clamor popular, tal qual como agora,  não permitia comentários que não se alinhassem com as vozes das ruas. E, guardadas as devidas proporções, era semelhante ao momento político pelo qual passamos agora, em relação ao Mensalão.  Perplexo com esta revelação do ministro, questionei: "Celso. E a opinião pública, como fica?". Serenamente, como sempre, o ministro respondeu: "Não podemos esquecer que há dois mil anos, a opinião pública condenou um inocente". Obviamente, referindo-se a Jesus Cristo. E dito e feito. Seis meses depois, faltaram as provas e ele votava pela absolvição do Collor. Esta pequena história real esclarece a forma como o ministro Celso de Mello pensa. Ele sempre se posiciona como  pessoa liberal.  Ouve todos os argumentos, analisa-os profundamente, pesquisa a fundo sobre a questão, dá atenção a todos, indistintamente, não deixa ninguém sem uma resposta e tem uma qualidade essencial: a humildade. No entanto, em uma  posição não transige. O ministro Celso de Mello entende que  "o dia que a voz das ruas chegar aos tribunais, ninguém mais será julgado com isenção".

ESTADÃO EM TATUÍ
Neste sábado, o Jornal "O Estado de São Paulo" enviou à Tatuí o repórter Breno para colher  alguns depoimentos sobre o ministro Celso de Mello. Entre os entrevistados estavam o dr. José Rubens do Amaral Lincoln e o dentista José Erasmo Negrão Peixoto, amigos do ministro. A matéria deve sair na edição deste domingo. Também comentei com o ministro Celso de Mello sobre esta pauta desenvolvida pelo "Estadão". Na conversa desta noite,  único momento que falamos sobre a AP 470 (Mensalão), ele disse que havia conversado com a jornalista Mariangela Gallucci, de o "Estadão" e, como sempre faz, tem acompanhado o noticiário da imprensa com muita atenção. Para o ministro, o noticiário deste sábado embasa mais ainda a convicção de que seu voto, a ser proferido na próxima quarta-feira, está de acordo com sua linha de pensamento jurídico.  Ao "Estadão" ele declarou:  "Não sinto nenhum tipo de pressão". E  para mim, disse  a seguinte frase de Ruy Barbosa: "O bom ladrão salvou-se na cruz. Mas não há salvação para o juiz covarde".

REPERCUSSÕES EM TATUÍ
Recebi o seguinte e-mail do jovem advogado Cícero Amaral Lincoln, filho do dr. Lincoln:

Ele, defensor inconteste da liberdade e da ampla defesa, considerado um dos mais cultos magistrados desta nação, com mais de quarenta anos de atividade jurisdicional, hoje enfrenta um dilema: sua decisão poderá, a ser proferida na próxima sessão ordinária,  determinar esgotamento da via recursal, como poderá, também, permitir a oposição de embargos infringentes e dar novo destino aos réus do mensalão. Diferentemente do alegado pela revista Veja (setembro 2013) o ilustríssimo Ministro CELSO não está a decidir entre a tecnismo e a impunidade, mas se esse processo que julgou os integrantes do  “mensalão”, observou todas as garantias processuais empenhadas aos jurisdicionados, em conformidade com a Magna Carta e as leis infraconstitucionais que aplicam-se ao presente caso.Aposto dez mil reais que ele admitirá a oposição embargos infringentes na ação penal 470, com base no regimento interno do C. Supremo Tribunal Federal a fim de dar prevalência ao devido processo legal e conferir validade ao principio do contraditório e da ampla defesa. Desta forma, todos os votos vencidos serão analisados com nova designação de relator e revisor, podendo doze dos vinte e cinco condenados terem suas penas reavaliadas e possivelmente modificadas”.

ARTIGO NO CONJUR
Neste sábado, o constitucionalista Alexandre Moraes escreveu o seguinte artigo no site Consultor Jurídico

JUSTIÇA COMENTADA

Desempate sobre Infringentes

 está em boas mãos

<!--[if !vml]--><!--[endif]-->A decisão final do Supremo Tribunal Federal quanto ao cabimento de Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, será dada por seu decano, ministro Celso de Mello, a quem caberá, em sessão plenária da quarta-feira, dia 18 de setembro, desempatar a questão, após cinco votos em defesa de teses antagônicas. Apontando o não cabimento dos embargos votaram os ministros Joaquim Barbosa (relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; enquanto pelo seu cabimento manifestaram-se os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
O Supremo Tribunal Federal não poderia estar em melhores mãos, pois a decisão final será dada com absoluta imparcialidade e liberdade intelectual pelo Decano da Corte.
Em diversas oportunidades pude ressaltar que, na luta em defesa da Constituição e pelos ideais republicanos, o Supremo Tribunal Federal — graças à liberdade intelectual de seus ministros — vem sendo um grande exemplo à nação, atuando com coragem, dedicação e seriedade, reafirmando a necessidade dos governantes honrarem as leis, acima de suas vontades.
A Justiça efetiva somente se obtém com um Judiciário altivo, composto de homens e mulheres com liberdade intelectual. Em um de seus mais inspirados momentos, Martin Luther King afirmou, no sermão O nascimento de uma Nova Nação, que “há um desejo interno por liberdade na alma de cada ser humano. Os homens percebem que a liberdade é fundamental e que roubar a liberdade de um homem é tirar-lhe a essência de sua humanidade”. O desejo interno por liberdade na alma do ser humano alcança seu mais amplo significado, na liberdade individual e intelectual, de pensamento e de expressão. Desaparecendo a liberdade, desaparecerá o amplo debate de ideias, quebrando-se o respeito à soberania popular. Uma nação livre se constrói com liberdade que existirá onde houver democracia, que, nunca será sólida sem juízes independentes.
A sociedade brasileira não erraria em afirmar que, os últimos anos, no Brasil, foram de transformação do Supremo Tribunal Federal perante ela mesma, tendo se destacado no exercício da mais pura liberdade intelectual seu decano, ministro Celso de Mello, na defesa, concretização e universalização dos ideais republicanos e dos Direitos Fundamentais; na defesa da moralidade administrativa e no combate a corrupção.
A atuação do ministro Celso de Mello no STF, desde 17 de agosto de 1989, consagrou, em sua plenitude, todas as virtudes de sua brilhante carreira jurídica.
Em seu Jubileu de Porcelana (20 anos de Supremo Tribunal Federal), em 2009, tive a honra de homenagear o ilustre ministro José Celso de Mello Filho em artigo publicado no site de nossa Corte Suprema. Escrevi que, parafraseando o professor da Universidade de Grenoble, Jean Marcou, ao afirmar ser “o século XX... o século dos tribunais constitucionais” poderia dizer que os últimos 20 anos de Supremo Tribunal Federal foram os anos de José Celso de Mello Filho.
Paulista de Tatuí, José Celso de Mello Filho nasceu em 1º de novembro de 1945 e ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1965, tendo se formado em 1969. Sua sólida formação acadêmica, que incluiu estudos no Robert E. Lee Senior High Scholl, na Universidade da Califórnia (UCLA) e na Universidade de Roma (Facoltà de Giurisprudenza) e o início de sua carreira jurídica, no Ministério Público de São Paulo, onde ingressou no honroso 1º lugar, em 3 de novembro de 1970, já apontava seu compromisso com a ciência jurídica e a luta por um Mundo mais justo e igualitário; ideais que continua a perseguir após 24 anos de Supremo Tribunal Federal.
Professor, promotor de Justiça, ministro do Supremo Tribunal Federal, humanista, democrata e republicano — esse é um breve perfil de José Celso de Mello Filho. Doutrinador sistemático, com especialização na Universidade de Roma (Facoltà de Giurisprudenza), onde realizou curso de extensão em Direito Penal, sob a orientação do professor Giuliano Vassalli. Celso de Mello nos ofereceu importantes obras jurídicas, como A Tutela Judicial da Liberdade, O Direito do acusado à publicação do Edital pela Imprensa, Apontamentos sobre o Novo Código de Processo Civil, O Embargo Extrajudicial de Obra Nova no Código de Processo Civil, entre outras. Porém, até hoje, o mundo jurídico reverencia sua mais magnífica obra, a clássica Constituição Federal anotada, de 1986.
Nos 24 anos de atividade judicante, a influência do Ministro Celso de Mello para a implantação, no Supremo Tribunal Federal, de nossa atual Jurisdição Constitucional foi essencial, tanto no campo das definições de nosso controle de constitucionalidade, quanto na proteção dos direitos humanos fundamentais e dos ideais republicanos.
Em sua longa trajetória, com memoráveis lições de Direito, Justiça e cidadania, nosso decano do Supremo Tribunal Federal afirmou a autoaplicabilidade do princípio da igualdade, afirmando sê-lo “postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica”, tendo por finalidade “obstar discriminações e extinguir privilégios”.
Em decisões históricas, demonstrou a importância da realização da defesa intransigente das liberdades públicas e dos direitos das minorias, em seu mais amplo espectro, pelo Supremo Tribunal Federal. Em seu voto na ADI 4.277, em defesa do reconhecimento da união estável homoafetiva, Celso de Mello apontou que “se impõe proclamar, agora mais do que nunca, que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de orientação sexual”.
Em defesa do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos das mulheres, na ADPF 54 (aborto feto anencéfalo), em histórico voto, foi proclamado pelo ministro Celso de Mello a impossibilidade de “subjugar, injustamente, a mulher, ofendendo-a em sua inalienável dignidade e marginalizando-a em sua posição de pessoa investida de plenos direitos, em condições de igualdade com qualquer representante de gênero distinto”.
Na ADPF 187 (marcha da maconha), o “sentido de fundamentalidade” da liberdade de reunião e do direito à livre manifestação de pensamento como instrumentos de proteção das minorias dentro da Jurisdição Constitucional foram proclamados pelo ministro Celso de Mello, ao afirmar que “as minorias também titularizam, sem qualquer exclusão ou limitação, o direito de reunião, cujo exercício mostra-se essencial à propagação de suas ideias, de seus pleitos e de suas reivindicações”.
Em matérias de garantias fundamentais, entre outros importantes ensinamentos, defendeu a liberdade de imprensa, o princípio da inocência, a ampla defesa e contraditório, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos e afirmou, com a certeza dos justos e democratas, que o princípio do juiz natural “traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democráticas”, atuando “como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado” e, representando “importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais”.
Ao repudiar o racismo, José Celso de Mello Filho reafirmou e fortaleceu o “princípio indisponível da dignidade da pessoa humana”, definindo-o como “mais do que elemento fundamental da República”, pois “representa o reconhecimento de que reside, na pessoa humana, o valor fundante do Estado e da ordem que lhe dá suporte institucional”.
São outras tantas e imprescindíveis contribuições do ministro Celso de Mello à ciência jurídica, à Justiça e ao País, tendo sempre atuado no sentido de fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da necessidade de “aperfeiçoamento de mecanismos de controles institucionais” e combate a corrupção (HC 94.173), em defesa da Honestidade, Moralidade e Probidade na Administração Pública.
Em prol da sociedade brasileira, ao longo desses 24 anos de judicatura do ministro Celso de Mello em nossa Suprema Corte, pronunciou-se contra o nepotismo, a malversação de dinheiro público, o desvio de finalidade da utilização de cargos públicos para o enriquecimento ilícito, o descontrole de agentes estatais e o abuso de poder, e, principalmente, posicionou-se fortemente contra a corrupção, afirmando no julgamento da atual AP 470 que “nunca é demasiado reafirmá-lo, a ideia de República traduz um valor essencial, exprime um dogma fundamental: o do primado da igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”.
Os reflexos no campo dos Direitos Fundamentais de suas grandiosas lições trazidas em seus memoráveis votos demonstram, sem qualquer sombra de dúvidas, a imprescindível contribuição de José Celso de Mello Filho para a construção, solidificação e efetividade da Justiça no Brasil, que, conciliando de forma harmônica e fortalecendo as noções de Estado de Direito e Estado Democrático, introduziu fortemente no constitucionalismo efetivas garantias de legitimação e limitação do poder, preservação da moralidade pública e combate à corrupção, sempre com a plena aplicabilidade e efetividade dos Direitos Humanos.
O ministro Celso de Mello é um dos mais completos e respeitáveis homens públicos da História do Brasil, sendo um obcecado estudioso, brilhante jurista e incansável magistrado. José Celso de Mello Filho é homem simples e digno, justo e leal, amigo e professor; a quem devemos agradecer por nos fazer acreditar que no Brasil existem juízes e existe Justiça, e para quem, sem qualquer sombra de dúvidas, se aplica o mais famoso dos sermões, o Sermão da Montanha (Evangelho Segundo São Mateus): “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”.
Sua vida, sua carreira e sua história nos dão a absoluta certeza de que o Supremo Tribunal Federal está em boas mãos para esse importante desempate, pois a decisão final será dada com coragem, imparcialidade e liberdade intelectual pelo decano da corte.
Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2013



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