quarta-feira, 29 de agosto de 2012

JULGAMENTO DO MENSALÃO (AP 470)


DEZ MINISTROS CONCLUEM VOTOS


STF - Concluídos os votos de dez ministros, falta apenas o voto do presidente da Corte, ministro Ayres Britto, para que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) conclua a primeira parte do julgamento da Ação Penal (AP) 470, que trata de fatos relativos a desvios de verba na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil, relacionados no item III da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. O julgamento prossegue nesta quinta-feira (30), a partir das 14h. Até o momento, a maioria dos ministros votou pela condenação do réu João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, por corrupção passiva (oito ministros), peculato por irregularidades na execução do contrato da agência SMP&B com a Câmara (oito) e por lavagem de dinheiro (cinco). A maioria (seis ministros) votou pela absolvição de Cunha do segundo peculato, relativo à contratação da empresa IFT – Ideias, Fatos e Texto para prestação de serviços de assessoria de imprensa. No mesmo item, a maioria dos ministros (oito) votou pela condenação dos sócios da SMP&B (Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz) corrupção ativa e peculato.No ponto relativo a desvios de recursos no Banco do Brasil, todos votaram, até o momento, pela condenação do então diretor de Marketing da instituição, Henrique Pizzolato, por corrupção passiva e peculato e, por maioria (oito), por lavagem de dinheiro, e pela condenação dos sócios da DNA Propaganda (Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz) por corrupção ativa e peculato. Os ministros que se manifestaram até agora votaram pela absolvição de Luiz Gushiken, ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, por ausência de provas.

Condenações impostas pelo
 Ministro Celso de Mello
Câmara: votou pela condenação de João Paulo Cunha pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e por uma das acusações de peculato, absolvendo-o no caso da contratação da IFT, e de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach por corrupção ativa e peculato.
Banco do Brasil: pela condenação de Henrique Pizzolato por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato (duas vezes), e de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach por corrupção ativa e peculato.



Fragmento do voto do Ministro Celso de Mello na AP 470/MG 

“(...) Agentes públicos que se deixam corromper, qualquer
que seja a sua posição na hierarquia do Poder,  e particulares  que
corrompem os servidores do Estado,  quaisquer que sejam os meios
empregados e as vantagens  indevidamente oferecidas, prometidas ou
entregues, sendo irrelevante, para efeito de configuração típica do
crime, a destinação que lhes seja ulteriormente dada,  quer para
satisfazer necessidades pessoais,  quer para solver dívidas de
campanhas eleitorais,  quer para praticar atos de benemerência,  são
eles,  corruptos e corruptores,  os profanadores da República,  os
subversivos da ordem institucional,  os transgressores da ética do
Poder,  os delinquentes do Erário,  que trazem consigo a marca da
indignidade e portam o estigma da desonestidade.
Não foi por outra razão, Senhor Presidente, que as
Ordenações do Reino –  Afonsinas (1446),  Manuelinas (1521)  e
Filipinas (1603) –  sempre cominaram penas gravíssimas a quem
transgredia os vetores ético-jurídicos  que pautavam as relações
entre os agentes do Poder  e os particulares,  refletindo,  nesse
ponto, as concepções legadas pelo Direito Romano.
O ato de corrupção, Senhor Presidente,  era considerado,
então, como ainda o é, um gesto de perversão da ética do poder e da
ordem jurídica, cuja observância se impõe a todos os cidadãos desta
República que não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que
se deixa corromper.
Quem transgride tais mandamentos,  não importando a sua
posição estamental,  se patrícios ou plebeus,  governantes ou
governados, expõe-se à severidade das leis penais e, por tais atos,
o corruptor e o corrupto devem ser punidos, exemplarmente, na forma
da lei.(...).”





PRINCIPAIS TRECHOS DO VOTO
 DO MINISTRO CELSO DE MELLO (JORNAL O GLOBO)

"Também como os outros demais ministros, tenho um extenso voto. Discuto as diversas questões suscitadas no âmbito do item 3, números 1, 2 e 3. Até segmentei os diversos votos em ordem nominal. Há algumas considerações e gostaria de fazer. É justo que se registre o trabalho responsável e sério que os eminentes ministros relator e revisor realizaram na presente causa, fazendo com absoluta integridade. Quero destacar de outro lado as excelências das sustentações orais proferidas tanto pelo PGR como pelos advogados. E saúdo o senhor presidente a serenidade com que vossa Excelência tem conduzido os trabalhos dessa causa penal.

Sabemos que como a prática de qualquer ilícito penal, a reação da sociedade e do Estado não é e nem pode ser arbitrária e irrefletida. Essa reação há de ser ponderada, regulamentada, essencialmente judiciária. Nesse contexto, como já foi salientado, o processo penal deve ser visto e compreendido como instrumento de salvaguarda das liberdades individuais. É uma velha fórmula, que em 1911, foi exposto em obra sobre o processo penal em nosso país

A submissão de uma pessoa à jurisdição penal coloca em evidência essa relação de polaridade conflitante. (....) Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido e assim deve ser visto como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. Processo penal de tipo condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado, representa meio de contenção dos órgãos incumbidos (...). Ao delinear um círculo de proteção do réu, réu que jamais se presume culpado, o processo acusatório revela-se instrumento que inibe, a opressão judicial, que condicionado por certos parâmetros de ordem ética, impõe ao acusador o ônus da prova. (...)

 A própria exigência de processo judicial representa um poderoso fator de inibição de arbítrio estatal. (...) A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus penal reflete numa expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio Estado de liberdade que reconhece as pessoas. Por isso, os subsídios, ministrados pelas investigações policiais e pelos inquéritos parlamentares - sempre unilaterais e inquisitivos - não bastam, enquanto isoladamente considerados, unilateralmente produzidos, para justificar a prolação pelo Poder Judiciário, com base unicamente neles, de um ato de condenação penal.

Já salientei nesta Corte, senhor presidente, que nenhuma acusação penal se dá por provada. Não compete ao réu demonstrar sua inocência. Cabe ao Ministério Público demonstrar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado.

Não se justifica portanto, sem provas, a formulação possivel de qualquer juízo condenatório. (...) Tenho salientado nesta Corte que a desejável convergência entre ética e política nem sempre tem ocorrido ao longo do processo histórico brasileiro. Tais comportamentos, motivados por razões obscuras ou desígnios inconfessáveis, ou interesses escusos, são guiados e estimulados por exigências subalternas, resultantes de um pragmatismo político (...) Os membros do Poder quando assim atuam transgridem princípios éticos que devem pautar a política. (...)

O Ministério Público, neste caso, expôs na peça acusatória eventos delituosos revestidos de extrema gravidade e imputou aos réus ações inescrupulosas e penalmente ilícitas, em verdadeiro assalto à administração pública, com graves e irreversíveis danos ao princípio da probidade administrativa, além de lesão a valores outros, como a integridade do sistema financeiro nacional, a paz pública (...)

O seu conteúdo descritivo me faz lembrar do livro a "Arte de Furtar". (...) A despeito da abundância de situações examinadas e da variedade de unhas, o autor do livro tinha consciência de não esgotar as unhas que furtam. "Os tempos confirmaram de afirmar a sua sentença. Mais unhas há". Feitas tais observações examino as imputações penais. Eu resumo em relação a cada um dos réus, João Paulo Cunha, Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Henrique Pizzolato. (...)

PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA
Eu tenho para mim, com a devida vênia, que procede a denúncia do senhor Procuradoria-Geral da República, considerado o item terceiro e as respectivas sessões quanto a todos os réus, exceto à acusação de peculato formulada por João Paulo Cunha por falta de prova em linha com a ministra Rosa Weber.

E também, destaco o juízo absolutório do que se refere ao acusado Luiz Gushiken. Entendo que o ministro relator demonstrou com clareza mediante exaustivo exame da prova existência nos autos prova que me dispenso de reiterar que referidos acusados cometeram os delitos. É de se observar que a prova penal produzida nos autos revela presença de elementos que integram figura jurídica.

 O STF apreciando tal questão repudia a possibilidade jurídica ou constitucional de o Poder Judiciário formular sentença em provas produzidas somente em inquéritos. É por isso que o Congresso, atento ao que adverte o magistério, alterou o artigo 155 do Código evitando lei que estabeleceu essa prescrição: o juiz formará sua convicção não podendo formular sua decisão exclusivamente em inquéritos (...). Se é certo de um lado que condenações penais não podem apoiar-se em elementos probatórios produzidos em CPIs, nada impede do STF "que os elementos do inquérito podem influir na decisão do juiz (...). Essa observação se faz necessária pela eficácia da prova penal. (...)

Poderá o juiz basear-se em peças do inquérito? Depende das circunstâncias do caso. Isso significa que as perícias revestem-se de eficácia provante. A perícia extrajudicial não é simples indício, salienta ministro Pertence, e sim prova técnica. E por isso pode ser considerada pelo julgador sem que isso caracterize cerceamento de defesa.

De outro lado, o exame do voto do eminente relator convence que todos esses aspectos concernentes à prova penal foram respeitados, sendo certo, por isso mesmo, que o ministério público cumpriu o ônus que lhe cabia de provar as imputações contra Marcos Valério, João Paulo Cunha, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Henrique Pizzolato.

Digo eu, inicialmente, que agentes públicos que se deixam corromper - qualquer que seja a sua posição na hierarquia do poder - e particulares que corrompem os servidores do estado - quaisquer que sejam os meios empregados e as vantagens indevidamente prometidas ou até entregues, sendo irrelevantes a destinação a que sejam dadas, são eles corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os delinquentes marginais da ética do Poder, os infratores do erário, que portam o estigma da desonestidade. (...)

O ato de corrupção era considerado então, como ainda o é, um gesto de perversão da ética do poder e da ordem jurídica, que se impõe a todos os cidadãos desta República, que não tolera o poder que corrompe e nem admite o poder que se deixa corromper. Quem transgride tais mandamentos, não importando sua posição estamental, expõe-se à celeridade das leis penais. E, por tais atos, devem ser punidos exemplarmente na forma da lei.

No caso presente tenho por configurada essa adequação típica do comportamento imputado aos réus. Aqui já foi dito. O delito de corrupção tanto ativa e passiva. O fato é que são delitos de mera conduta, de simples atividade. Não há necessidade de que o ato de ofício seja praticado. Essa expressão não pode ser vista como uma contraprestação efetiva. Se a vantagem indevida é oferecida na perspectiva em um ato de que possa vir a praticar. Ato de ofício se representa naquele ato das esferas do agente estatal. Corrigi vários acórdãos de tribunais, situações em que o ato de ofício não se realizou. Lembro de um caso em São Paulo em que o MP processou por corrupção ativa e passiva um advogado e escrivão por que o advogado pedira ao escrivão que não instaurasse investigação contra o cliente. No caso, faço aqui essas várias considerações, para entender que o relator ao destacar esse aspecto pertinente ao ato de ofício afirmou a existência e confirmou a prática efetiva da parte dos réus nessa modalidade de crime contra a administração pública.

No que se refere ao delito de peculato, com exceção à segunda acusação, entendo que restou configurada e devidamente comprovada a outra acusação penal tal como mostrou exaustivamente o eminente relator. Comportamento atribuído aos réus João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato revela tal como demonstrou o ministro Joaquim Barbosa que...princípios representam pauta de observância por parte de quaisquer agentes estatais. (...)

Atuar como inaceitável meio de satisfazer aspirações particulares. É importante fazer a distinção do espaço público e privado. Faço outras observações nesse sentido. Concluo esse tópico dizendo que o fato é um só. Quem tem o poder e a força do Estado não tem o direito de exercer em seu próprio benefício (...) Essa Suprema Corte não pode permanecer indiferente.

A própria Constituição do Brasil pre excluiu o estabelecimento de regras de direito penal. Faço outras considerações e trago a melhor doutrina no sentido de que não é possível invocar parenteiro de incriminação fundamentada em pactos internacionais ou convenções. (...) Portanto, senhor presidente, somente lei interna, e não convenção internacional, pode qualificar-se como a única fonte legitimadora.

Depois, senhor presidente, quanto ao crime de lavagem, faço algumas observações: admito a possibilidade de configuração de crime de lavagem de valores mediante dolo eventual. A teoria da cegueira deliberada, da ignorância deliberada, em que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem prometida (...) Assinalo, ainda, senhor presidente, em face das diversas etapas clássicas que compõem o modelo trifásico do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), vocacionado a promover política de combate a lavagem de dinheiro. (...) Esse método tem sido objeto de questionamento.

Faço observações no voto a respeito desse mecanismo no que se refere aos réus e esclareço, com base na própria jurisprudência desta Corte, que a ocultação que aperfeiçoa o tipo penal não é a suscetível a ser desvelada. (...) De qualquer maneira, tenho pra mim que o eminente relator bem demonstrou, com apoio em provas válidas, que os réus efetivamente cometeram o crime de lavagem de dinheiro.

Discuto também a questão do exaurimento, se seria exaurimento ou não do crime antecedente. O STF, num precioso acórdão em que foi relator o ministro Ricardo Lewandowski - caso Maluf - entendeu que não sendo considerado a lavagem de capitais mero exaurimento do crime de corrupção passiva, é possível que o acusado responda por ambos os crimes. Eu teria mais a assinalar, mas eu acolho, quase que em totum, a denúncia oferecida pelo procurador-geral da República, apenas absolvendo o réu Gushiken, e não acolhendo a segunda acusação de peculato contra o réu João Paulo Cunha, referente à questão da IFT.

Sim, julgo procedente. A única divergência são dois mínimos tópicos. No que se refere à segunda acusação de peculato (IFT), nesse caso acompanho o voto da ministra Rosa Weber por falta de prova. E também rejeito a denúncia do que se refere à imputação penal de lavagem de dinheiro. Em relação aos demais crimes, peculato e corrupção, acolho integralmente a denúncia do procurador-geral da República. (...) Também discuto a questão do bônus de volume. Como disse o ministro Cezar Peluso, não importa a natureza, que há uma grande discussão em torno disso desde a década de 50.

Entendo que não podemos invocar a Convenção de Palermo para suprir a falta de definição entre nós do que seja organização criminosa, mesmo por que não há o tipo penal. Nesse sentido, no que se refere ao item terceiro, o meu voto praticamente acompanha o ministro relator com essas observações. Entendo que com base no inciso 7 não há prova suficiente para a acusação do segundo crime de peculato de João Paulo Cunha.

Nós temos dito e reafirmado em atenção à cláusula de sobredireito. Não tem sentido que até mesmo leis de ordem pública tenham eficácia retroativa. (...) O fato é que a integridade das situações consolidadas há de ser preservada, entre as quais as pactuações celebradas. Essa cláusula não é uma que se imponha de modo imperativo. E mesmo que se imponha, ela não pode voltar ao seu passado". (Jornal O Globo, Rio).

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